quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A mulher do sapo - Parte I

“- Mulher só não casa com sapo porque não sabe quem é o macho e quem é a fêmea.”

A frase em tom de veredicto seguida pela gargalhada franca que a arrematou havia sido dita pelo homem da mesa ao lado, à mulher que o acompanhava. Saiu do estado de concentração com que catava os brotos de feijão de sua salada. Malditos brotos! Deixavam um gosto metálico em sua boca, que relaxara e agora sorria discretamente.

Não chegou a ver quando o casal deixou o restaurante. Continuava separando brotos de pedaços de alface, cenoura, tomate e sementes de girassol. Seguia pensando que aquele cara não sabia que beijar sapos em busca de príncipes voltara à moda.

Os homens andavam tão raros em quantidade, e principalmente em seus modos, que princesas não tiveram outra opção que lançar mão do costume milenar aprendido diretamente dos contos de fadas. E como os tempos eram outros e a democracia reinava em praticamente todas as partes, ou pelo menos se acreditavam nisso também, as plebéias também tinham direito a tentar a sorte. Do mesmo modo, aqueles plebeus vítimas do terrível feitiço também tinham sua oportunidade de virar novamente seres humanos.

Parece que o sujeito não estava mesmo bem-infomado. Atualmente se casavam e viviam felizes para sempre (ou não) princesas e príncipes, plebéias e plebeus, princesas e plebeus e plebéias e príncipes. Sendo que os dois últimos casos, os de consórcio entre classes, eram menos freqüentes e havia quem afirmava que eram mais suscetíveis a um final infeliz.

(Cena do filme "A princesa e o sapo", 2009)

Ela mesma conhecia mulheres maduras, adultas e mocinhas, que andavam a beijar sapos em laguinhos, córregos e outros recantos úmidos da cidade em noites de pouca lua. Lua cheia não favorecia a atividade, pois facilitava a vida dos predadores dos pobres animais que, como não eram burros nem nada, evitavam sair de suas casinhas quando tamanho holofote brilhava lá no céu.

Fontes fidedignas já haviam lhe contado meia dúzia de “cases de sucesso”, leia-se “casamento”.

Ultimamente ela sentia vontade de provar. Evoluíra do asco absoluto a um nojo que considerava ser capaz de administrar. Animavam-lhe não só os relatos e o empenho de amigas e conhecidas, mas a constatação de que já havia suportado (fisicamente!) coisas semelhantes ou até piores como: línguas no ouvido que sequer provaram seu nome, mãos de mijões de calçadas e cabelos ensebadinhos.

Sem contar outros suplícios, de natureza mais sutil, como beijos cinematográficos bem no meio do filme, e escrotidões definitivas como comentários racistas e homofóbicos ou grosserias com atendentes justificadas por “o cliente tem sempre razão”.

Espetou o último pedacinho de tomate e lambuzou com o caldinho de maionese de soja e azeite de oliva que fazia poça no prato. Sorriu grande para o ventilador na quina da parede. Levantou-se, pagou a conta e saiu decidida a experimentar.

(Continua.)

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