quarta-feira, 4 de agosto de 2010

o último filme com o primeiro homem da minha vida

o último filme que vi com meu pai foi "O Pianista" do Polansky em março de 2003. sim, acho que foi em março... eu quero muito acreditar que esse foi o último filme que ele assistiu no cinema, antes de morrer no mês de agosto do mesmo ano. pode ser que ele tenha assistido a outro filme no cinema porque não esteve doente nem nada depois de nosso encontro, mas eu gosto de pensar que não houve outra ida ao cinema depois daquela. foi uma noite especial onde estávamos apenas eu e ele desfrutando o filme e a companhia um do outro. eu me lembro perfeitamente de como ele ia dizendo baixinho o nomes das músicas executadas no filme e como seus dedos tocavam os braços da cadeira ou seus joelhos como se fossem teclas de um piano. issso me emocionou tanto e até hoje me emociona.

com meu pai eu vi meus primeiros filmes. desenhos da Walt Disney e as Guerrras nas Estrelas nas salas da Cinelândia. eu não curtia ficção cientifíca, mas me sentia muito especial acompanhando ele e meu irmão. principalmente porque meu pai ia sussurando as legendas para mim. com ele vi "O Incrível Exército de Brancaleone" e sequências da Pantera-Cor-de-Rosa. me lembro que algumas coisas vimos no drive-in da Ilha. e que ele nos levou ainda crianças para ver "Kramer vs. Kramer", o que, claro, foi bastante inadequado. muitas coisas nele não encaixavam no padrão de pai perfeito, mas sempre foi louco por mim e pelos meus irmãos.

quando ele morreu eu estava longe. havia falado com ele na noite anterior pelo telefone, mas a última vez que o vi foi mesmo aquela noite no cinema. de cara, achei injusto. demorei para perceber que não poderia haver uma última lembrança mais bonita. e que havia outras como os meus passeios com ele a trabalho no Centro, os banhos de mar, as flores nos meus aniversários de criança, as dedicatórias nas capas dos LPs e a frase "viva e seja feliz" com que ele gostava de se despedir de mim quando eu cresci.

meses depois, meio que desavisada, peguei para ver em casa o filme "Invasões Bárbaras" (Les Invasions Barbares - Denys Arcand). no filme, a filha que está longe, velejando, se me lembro bem, numa dessas regatas que duram meses, se comunica com o pai por internet. e em uma de suas poucas cenas ela diz "o pai é sempre o primeiro homem da vida de uma garota". isso diz tudo sobre meu pai, para mim. e bastante sobre mim.

2 comentários:

  1. Excelente e impressionante como lembra dos detalhes desta ida ao cinema de vocês, foi mesmo uma despedida especial. Também tenho algumas lembranças particulares dele, assim como você. Como mesmo disse, ele não se encaixava no padrão "pai perfeito", mas deu várias demonstrações de que nos amava, é o que importa e assim são os humanos. Um beijo Leandro.

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  2. Resolvi dar uma passadinha por aqui e li o post sobre seu pai. Lindo, emocionante... Parece que a dor 'madurou' e ficou uma saudade boa. Beijo. Erika

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