segunda-feira, 9 de agosto de 2010

tempo de espera

ela voltou do médico e disse a ele: "se me ama mesmo, esqueça a idéia de ter filhos". mortificado com o tom amargo da voz dela, não teve coragem de perguntar por detalhes do diagnóstico. e jamais ousaria procurar o médico a quem ela confiara os resultados dos exames feitos durante a última viagem dele.

tratou de agir como se nada tivesse acontecido nos dias seguintes e dissolvia a pena que sentia dela e de si mesmo nas lágrimas que deixava cair enquanto dirigia para o trabalho pela manhã. ela não era sentimental e odiaria uma cena em torno disso. simplesmente não tocaram no assunto. e não se tocaram durante quase dois meses.

voltaram a fazer amor numa noite qualquer depois do jantar. não chegaram até o quarto. o gozo simultâneo chegou rápido e durou muito no chão do corredor. ela olhou para ele pelas frestas dos cabelos que lhe caiam sobre o rosto e sentiu que nada havia mudado entre eles. logo sua vida voltou à normalidade.

às vezes ele a surpreendia pensativa olhando pela janela as crianças que passavam a caminho da escola que ficava no final da rua. também percebia as respostas monossilábicas no carro quando regressavam de algum compromisso com amigos que tinham filhos. mas nada que alterrasse seu jeito tranquilo e quase distante de sempre.

para não afetá-la, ele pouco a pouco forjou uma indiferença convincente em relação a crianças. com o tempo ele mesmo creditava a harmonia conjugal que desfrutavam à ausência de filhos.

ele seguiu sendo tudo para ela. definitivamente aquele homem era a melhor pessoa que conhecera em sua vida. não sentia nada além de seu amor por ele e um medo tétrico todas as vezes que em engolia às escondidas sua dose diária de anticoncepcional. quando chegou à menopausa, foram mais felizes do que nunca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário