segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A mulher do sapo - Parte 2

Entre sua primeira experiência e aquela tarde em que decidiu aderir à moda de beijar sapos passaram-se meses. Depois das chuvas que alagaram a cidade até que dedicou-se a longos e solitários passeios pelas áreas mais úmidas da cidade e uma vez, no Jardim Botânico, quase teve sucesso. Avistou um exemplar, mas quando chegou perto o bicho deu um último salto e escapou no meio de um arbusto. Finalmente, num final de semana na serra, apresentou-se a tão esperada oportunidade. A dona da casa e outros visitantes foram deitar. Ela, sabendo que os sapos aproveitavam a varanda da casa para encurralar insetos nos cantos, permaneceu ali sob o pretexto de admirar um pouco mais o céu estrelado.

Depois que a casa dormiu, apagada, um belo (leia-se grande) sapo apareceu no meio do jardim. Ficou um bom tempo imóvel até o primeiro pulo na sua direção. Entre cada salto também tomou seu tempo. Ela respirava no começo um pouco ofegante, mas a cada pausa do sapo se sentia mais tranqüila e sua respiração ficava mais suave.

Quando ele cruzou sua frente sentiu um arrepio que lhe subiu rápido do calcanhar até a nuca. Quando baixou os olhos deu de cara com o sapo. Ficou de pé e de uma vez o pegou com as duas mãos, como quem levanta uma criança pegando por debaixo de seus braços. Sentiu seus polegares deslizando pelo ventre macio e frio. Fechou os olhos e o beijou. A pressão de seus dedos ao redor do frágil animal o fez ejetar a língua, que entrou serpenteando em sua boca semi-aberta. Depois disso não sentiu nada. Acordou com o cantar do galo, mal deitada na espreguiçadeira e meio zonza. Concluiu que desmaiou antes de terminar o beijo.

(Continua)

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Veja como tudo começou. A mulher do sapo - Parte I

sábado, 14 de agosto de 2010

casa de menino


casa de solteiro
é um playground especial
onde se pode brincar de casinha
sem ser casal.
tem música nova,
lombadas de livros
para ler com os dedos,
fotos de quando menino,
uma pá de ferramentas
e comida essencial.
o que falta mesmo
nunca se descobre,
jogando o jogo
do casual.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

tempo de espera

ela voltou do médico e disse a ele: "se me ama mesmo, esqueça a idéia de ter filhos". mortificado com o tom amargo da voz dela, não teve coragem de perguntar por detalhes do diagnóstico. e jamais ousaria procurar o médico a quem ela confiara os resultados dos exames feitos durante a última viagem dele.

tratou de agir como se nada tivesse acontecido nos dias seguintes e dissolvia a pena que sentia dela e de si mesmo nas lágrimas que deixava cair enquanto dirigia para o trabalho pela manhã. ela não era sentimental e odiaria uma cena em torno disso. simplesmente não tocaram no assunto. e não se tocaram durante quase dois meses.

voltaram a fazer amor numa noite qualquer depois do jantar. não chegaram até o quarto. o gozo simultâneo chegou rápido e durou muito no chão do corredor. ela olhou para ele pelas frestas dos cabelos que lhe caiam sobre o rosto e sentiu que nada havia mudado entre eles. logo sua vida voltou à normalidade.

às vezes ele a surpreendia pensativa olhando pela janela as crianças que passavam a caminho da escola que ficava no final da rua. também percebia as respostas monossilábicas no carro quando regressavam de algum compromisso com amigos que tinham filhos. mas nada que alterrasse seu jeito tranquilo e quase distante de sempre.

para não afetá-la, ele pouco a pouco forjou uma indiferença convincente em relação a crianças. com o tempo ele mesmo creditava a harmonia conjugal que desfrutavam à ausência de filhos.

ele seguiu sendo tudo para ela. definitivamente aquele homem era a melhor pessoa que conhecera em sua vida. não sentia nada além de seu amor por ele e um medo tétrico todas as vezes que em engolia às escondidas sua dose diária de anticoncepcional. quando chegou à menopausa, foram mais felizes do que nunca.

domingo, 8 de agosto de 2010

uma da manhã. meus olhos coçam com a pintura que estou usando desde o meio-dia. tenho sono, mas busco nomes no google e acompanho no facebook a vida de gente que conheço muito e de quem conheço muito pouco também. tento escrever sobre porque gosto de ver meu filho dormindo. penso na água fria que vai gelar minhas mãos e minha cara quando eu for me lavar antes de ir para cama. mãos quentes e grandes mais um beijo de esquimó cairiam bem.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

o último filme com o primeiro homem da minha vida

o último filme que vi com meu pai foi "O Pianista" do Polansky em março de 2003. sim, acho que foi em março... eu quero muito acreditar que esse foi o último filme que ele assistiu no cinema, antes de morrer no mês de agosto do mesmo ano. pode ser que ele tenha assistido a outro filme no cinema porque não esteve doente nem nada depois de nosso encontro, mas eu gosto de pensar que não houve outra ida ao cinema depois daquela. foi uma noite especial onde estávamos apenas eu e ele desfrutando o filme e a companhia um do outro. eu me lembro perfeitamente de como ele ia dizendo baixinho o nomes das músicas executadas no filme e como seus dedos tocavam os braços da cadeira ou seus joelhos como se fossem teclas de um piano. issso me emocionou tanto e até hoje me emociona.

com meu pai eu vi meus primeiros filmes. desenhos da Walt Disney e as Guerrras nas Estrelas nas salas da Cinelândia. eu não curtia ficção cientifíca, mas me sentia muito especial acompanhando ele e meu irmão. principalmente porque meu pai ia sussurando as legendas para mim. com ele vi "O Incrível Exército de Brancaleone" e sequências da Pantera-Cor-de-Rosa. me lembro que algumas coisas vimos no drive-in da Ilha. e que ele nos levou ainda crianças para ver "Kramer vs. Kramer", o que, claro, foi bastante inadequado. muitas coisas nele não encaixavam no padrão de pai perfeito, mas sempre foi louco por mim e pelos meus irmãos.

quando ele morreu eu estava longe. havia falado com ele na noite anterior pelo telefone, mas a última vez que o vi foi mesmo aquela noite no cinema. de cara, achei injusto. demorei para perceber que não poderia haver uma última lembrança mais bonita. e que havia outras como os meus passeios com ele a trabalho no Centro, os banhos de mar, as flores nos meus aniversários de criança, as dedicatórias nas capas dos LPs e a frase "viva e seja feliz" com que ele gostava de se despedir de mim quando eu cresci.

meses depois, meio que desavisada, peguei para ver em casa o filme "Invasões Bárbaras" (Les Invasions Barbares - Denys Arcand). no filme, a filha que está longe, velejando, se me lembro bem, numa dessas regatas que duram meses, se comunica com o pai por internet. e em uma de suas poucas cenas ela diz "o pai é sempre o primeiro homem da vida de uma garota". isso diz tudo sobre meu pai, para mim. e bastante sobre mim.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

cheia das novidades

últimos filmes no cinema: o pequeno nicolau e o bom e velho tarantino com seu à prova de morte. no DVD: um sonho possível. gostei dos três. estou gostando das novidades. primeiro troquei de emprego. agora fui dispensada pelo namorado. trabalho, temas, ônibus e caminhos, companheiros e desafios novos. uma calma e lucidez inéditas. os bons e velhos amigos. um vinho que Daniela não gostou, mas eu gostei. a vida é boa.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

É nóis!

It's gonna be a bright bright bright bright sunshiny day